TEXTS / TROFÉUS DE BRONZE - JOÃO PEDRO PEÇANHA

          “Troféus de Bronze” (2022), em óleo e esmalte sobre tela, faz parte de uma série de trabalhos de Palhano para sua exposição “Doce Bálsamo”, e constitui uma espécie de desdobramento de uma das pinturas que expôs anteriormente na mostra coletiva “Decomposição e Fetiche” (2022). O artista utiliza uma mistura de técnicas, a começar pelo desenho – muitas vezes de cenas de sexo, figuras e símbolos ligados à sua infância, imagens da cultura de consumo, entre outras. 
          Feita uma base na tela, Palhano dá início à pintura propriamente dita, preenchendo a tela com diversas camadas sobrepostas de diferentes cores até chegar no estrato final, o de superfície. Nele, Palhano começa sua depuração através da raspagem, imprimindo, por meio de uma técnica de desconstrução construtiva, as figuras, sombras e reflexos que deseja criar, fazendo-as emergir a partir do negativo em todo esse processo de criação pictórica.
          “Troféus de Bronze” é fruto desse misto de técnicas de Palhano em que, sobre a tela, repousam louros, taças e troféus, distribuídos em linhas horizontais. Os louros e troféus, símbolos do triunfo, não têm coloração dourada, prateada e muito menos bronzeada; suas cores variam entre tonalidades de branco, cinza, magenta, bordô e vermelho. A obra argumenta contra o falocentrismo ao se apresentar como símbolo de uma vitória, um triunfo, onde a apresentação dessa vitória se dá pela subtração de camadas, ou seja, pela decomposição, pela análise delas e pela presença em negativo do objeto retirado, raspado. Figura, então, através dos troféus, o triunfo dos objetos em detrimento da tela.
          Vejo nesse processo certa aproximação com o que tem lugar no fetichismo e na singular criação de seu objeto, em que o que se obtém é um certo triunfo e, ao mesmo tempo, um testamento das penalidades da castração. Ao fim e ao cabo, o narcisismo fragilizado e ameaçado do fetichista se assenta como um objeto arqueológico sob as camadas de tinta do dos registros de constituição psíquica e dos ornamentos triunfais e brilhantes da idealização, a qual se espraia pelo objeto-obra – como no caso do sujeito fetichista em relação com seu objeto-fetiche. 
          Preenchendo o quadro e contornando os artefatos, aí sim, se encontra o bronze, que não tende tanto para o acobreado, mas dá a impressão, de longe, de se tratar de um áureo sutil, um ouro velho, em contraste com partes das bordas da tela, as quais parecem sangrar. O sangramento bordeia o quadro escoando pelas suas extremidades, fazendo eco e denunciando a carnadura das falhas narcísicas horrendas, soterradas e ludibriadas pelos símbolos do triunfo.
          Vislumbramos, enquanto inspiração, a obra e a técnica de Palhano (2022) como análogas, de certa maneira, à representação do que seria a construção do objeto-fetiche no fetichismo, pois põem em tela as camadas de tinta tal qual um véu brilhoso que adorna o objeto a fim de escamotear a dinâmica de um narcisismo prestes a sangrar. Por isso mesmo, precisa haver reforço nas zonas feridas pelas cisões – enquanto mascara os rastros autoeróticos. Porém, todo esse processo faz emergir a dimensão crua, de exposição da carne enquanto resto e representante incondicional daquilo que há de mais frágil, o corpo.


Troféus de Bronze” (2022), in oil and enamel on canvas, is part of Palhano's exhibition “Doce Bálsamo” and serves as a continuation of one of the paintings he exhibited earlier in the group show “Decomposição e Fetiche” (2022). The artist employs a mix of techniques, beginning with drawing—often depicting scenes of sex, figures, and symbols related to his childhood, alongside images of consumer culture, among others.

          After establishing a base on the canvas, Palhano begins the actual painting, layering various colors until he reaches the final surface layer. In this phase, he refines the work through scraping, utilizing a constructive deconstruction technique to bring forth the figures, shadows, and reflections he wishes to create, allowing them to emerge from the negative space throughout the pictorial process.

          “Troféus de Bronze” embodies this blend of techniques, showcasing laurels, cups, and trophies arranged in horizontal lines across the canvas. The laurels and trophies, symbols of triumph, are devoid of gold, silver, or even bronze hues; instead, their colors range from shades of white, gray, magenta, burgundy, and red. The work critiques phallocentrism by presenting itself as a symbol of victory, where this victory manifests through the subtraction of layers—essentially, through decomposition, analysis of those layers, and the negative presence of the removed, scraped object. Thus, through the trophies, it illustrates the triumph of objects over the canvas itself.

          This process suggests an affinity with the dynamics of fetishism and the unique creation of its object, where what is attained is a form of triumph that simultaneously serves as a testament to the penalties of castration. Ultimately, the fragilized and threatened narcissism of the fetishist is situated like an archaeological object beneath the paint layers, marked by the psychological constitution and the ornamental triumphs and ideals that spread across the artwork—much like the relationship of the fetishist with their fetish object.

          Filling the canvas and outlining the artifacts, the bronze appears—not merely as a copper-like sheen but rather gives the impression, from a distance, of a subtle gold, an aged gold that contrasts with the edges of the canvas, which seem to bleed. This bleeding borders the painting, spilling over its edges and echoing the grotesque flaws of narcissism, buried and deceived by symbols of triumph.

         Inspiration from Palhano's work and technique (2022) can be seen as analogous to the representation of the construction of the fetish object in fetishism, as it layers paint like a shiny veil adorning the object, obscuring the dynamics of a narcissism on the verge of bleeding. Thus, there must be reinforcement in the wounded zones marked by fissures, while masking the traces of autoeroticism. Yet, this entire process exposes the raw dimension of flesh as a remnant and unconditional representative of the most fragile entity: the body.
- JOÃO PEDRO PEÇANHA